Artigo 452 – As marionetes e o nosso futuro

“O maior perigo para o futuro da humanidade chama-se encurtamento da compreensão”
por Marcelo Veras | 23 de fev de 2021
Artigo 452 – As marionetes e o nosso futuro

A internet e, principalmente, a conectividade global, instantânea e movida pelas redes sociais nos trouxe uma virada de página na história da humanidade sem precedentes. Hoje, com um smartphone na mão e um mínimo sinal de 3G, qualquer um pode muito. Não pode tudo, mas pode muito. Mais do que tecnologia, a conectividade representa uma transferência de poder absurda, o que é muito bom para a democratização de possibilidades que até ontem eram inacessíveis a determinados grupos. Os influenciadores digitais se multiplicam a cada dia. Alguns, nas suas descrições, se apresentam sem cerimônias como “digital influencers”. Já outros, se definem como “produtores de conteúdo digital”, mesmo que estes conteúdos se resumam a fotos e vídeos dos seus corpos sarados. Não importa, até porque conteúdo digital é conteúdo digital e ponto. Seja um belo e profundo texto, seja um vídeo com dicas de como fritar um ovo ou uma dança com a bunda empinada para a câmera, tudo é conteúdo digital. E não adianta usar a sua régua (intelectual ou moral) para dizer o que é bom ou ruim. Se está lá e tem gente consumindo é porque tem, para este público, qualidade e relevância.

O outro fenômeno desta nova era é a enxurrada de iniciativas de empreendedorismo que a redução dos custos de transação e a própria conectividade geraram. O clube das startups não cessa de crescer. Como já apontei, “não importa o que você venda, tem alguém, em alguma garagem do planeta, preparando uma bala de prata para você”. Uma apresentação onipresente nos perfis de redes sociais, principalmente no LinkedIn, é o de “Founder”. Alguns se definem como “Founder & CEO”. Não importa se é uma empresa com 100 pessoas ou uma “EUpresa”, sou CEO e ponto.

Sabe o que acho de tudo isso? Maravilhoso! Já me posicionei anteriormente contra quem reprova esta autodenominação empoderada. Eu acho lindo! Isso significa estar vivo em uma mudança de era como na qual vivemos. Significa presenciar novas verdades, novas dinâmicas sociais e ter que revisitar, às vezes, todas as nossas convicções. E, quem sabe, jogar algumas delas no lixo. Confesso que já passei da fase de ficar falando “Ah, no meu tempo era melhor”.

Agora, a provocação de hoje, e esta sim me preocupa muito, é a que o Professor da Inova Business School, Cassio Pantaleoni, chama de “Encurtamento da compreensão”. Em outras palavras, significa que o nível de preguiça intelectual médio das pessoas está subindo como pé de chuchu cerca acima. Preguiça de ouvir, preguiça de pensar, preguiça de debater, preguiça de entender diferentes pontos de vista e por aí vai. No final do dia, preguiça... Uma preguiça perigosa.

Ela nasce na mesma fonte das “maravilhas” que acabo de citar – na internet e nas redes sociais. A informação disponível na palma da mão, de forma resumida e sem profundidade, muitas vezes de forma visual, cercada de fontes questionáveis, nos deu a sensação de que não precisamos de mais nada. Este fenômeno é e será o maior desafio da humanidade nas próximas décadas. Afirmo isso com muita convicção e pautada na seguinte premissa: se perdermos a capacidade de compreensão profunda, não haverá limites para dilemas éticos, morais e sociais. Não dá para exigir que alguém sem capacidade de compreensão profunda e, portanto, sem pensamento crítico possa pensar nas consequências das suas ações, seja de um post na sua rede social, seja das premissas do algoritmo que vai comandar uma inteligência artificial. Este é o “câncer moral” que teremos que combater no futuro próximo, sob pena de todos nós pagarmos um preço bem alto.

Ah, professor, mas qual é o risco que ele pode nos trazer? Muito simples, e gosto de resumir em uma frase – “Quem sofre de encurtamento de compreensão toma decisões emocionais, normalmente pautadas em narrativas falaciosas justificáveis com argumentos racionais”. Este tipo de comportamento que, em escala, pode produzir um rastro de destruição e nos impedir de avançar nos temas importantes para transformar o mundo em um lugar melhor. A lista de temas que estão, hoje, sofrendo deste mal e causando problemas enormes não é pequena. Liberdade de expressão, aborto, prisão em 2ª instância, vacinação... só para citar algumas. A falta de compreensão profunda sobre temas como estes leva uma legião de pessoas, independente de escolaridade, idade ou religião, a se tornarem “marionetes”. Escolhem uma “verdade”, sem compreensão profunda de suas bases e da sua sustentabilidade, e a defendem com unhas e dentes em qualquer lugar e em qualquer momento. Qualquer coisa que fuja um milímetro da narrativa que acreditam vira lixo e outros adjetivos.

Há apenas uma maneira de se fugir deste caminho perigoso: a Educação. Seja a formal, na escola, ou em casa, ela deve promover mais leitura profunda, mais debates e mais escuta empática. Só assim a capacidade de compreensão cresce, o pensamento crítico vem junto e nos tornamos elegíveis a protagonistas e não marionetes.

Cuidado, muito cuidado, com as teses de outros que você tem defendido. Eu brinco que, às vezes, questiono inclusive as teses que eu mesmo criei, ainda mais as que outros me venderam. Antes de se posicionar e, principalmente, tomar decisões, busque a compreensão profunda. Não olhe apenas para o verniz. Por trás dele, há verdades que você provavelmente desconhece e que poderiam lhe ajudar a tomar melhores decisões. Até o próximo!

Photo by Evan Fitzer on Unsplash

por Marcelo Veras
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