Artigo 451 – O recomeço

“Os extremos estão reservados para teses insustentáveis”
por Marcelo Veras | 14 de jan de 2021
Artigo 451 – O recomeço

No dia 16 de dezembro de 2019, “encerrei” uma jornada de quase 10 anos escrevendo semanalmente sobre carreira e competências. Ali, me despedi dos textos e prometi iniciar uma jornada em outros formatos – áudio e vídeo. Em meados de fevereiro de 2020, pouco antes da pandemia começar aqui no Brasil, publiquei os primeiros episódios de podcasts. Consegui chegar a quatro episódios de cada tema (Carreira, Educação e Negócios). A disciplina não veio e os meses foram se passando. Poderia facilmente culpar a pandemia, a overdose de trabalho e o confinamento durante meses difíceis nos quais todos nos metemos em 2020. Mas se há algum culpado por não ter dado sequência, este sou eu mesmo. Pouco antes do final do ano a ficha caiu. Quando vi, estava com quatro rascunhos de texto para artigos, além de um livro, em parceria com Max Franco, 100% pronto e entrando em diagramação e mais dois com sumário pronto. Pois é, gosto mesmo é de escrever...

Não posso afirmar que um dia não tentarei de novo, mas por hora vou retomar os “rabiscos” por aqui e tentar seguir provocando quem os lê. Nesta retomada, não vou assumir compromisso de frequência e ganho uma liberdade que não tinha antes. Como meus textos entre 2010 e 2019 eram usados por  jornais, tinha uma limitação de tamanho. Agora, sem esta premissa, fico mais livre para me aprofundar mais no que achar que merece.

Também decidi mudar e ampliar o escopo da coluna, que antes se chamava “Sua Carreira”. Seguirei fazendo links com a gestão da nossa carreira e desenvolvimento de competências, mas quero que o DNA dessa nova jornada lhe ajude a desenvolver uma das competências mais charmosas, escassas e valorizadas nesta década que se inicia – o pensamento crítico.  Do meu estudo que começou em 2006, aos três últimos relatórios do Fórum Econômico Mundial e das inúmeras discussões que participo e presencio no mundo do trabalho e na inovação, a capacidade de enxergar e refletir sobre diferentes pontos de vista tem se mostrado uma arma poderosa. O risco de se embarcar em narrativas sem as questionar tem criado uma legião de marionetes manipuláveis e inertes.

Pois bem, caso queira vir comigo nessa jornada de, independentemente do tema, pensar sobre o outro lado da moeda e formar um juízo um pouco mais apurado, o convite está feito.

Poderia muito bem recomeçar com um texto sobre 2020, mas não. Prefiro apenas dizer que 2020 foi um grande professor e que nos deu duas grandes aulas – uma sobre resiliência e outra sobre reinvenção. Isso já diz tudo. Se você está vivo(a) e lendo este artigo, sinta-se feliz por não estar entre os mais de 200.000 que se foram só aqui no Brasil. Meus sinceros sentimentos caso você tenha perdido alguém próximo.

Por falar em 2020, quero retomar aqui um tema que foi amplamente visível neste ano e que já tratei em uma série de textos (artigos 434 a 441 – www.marceloveras.com) – o tal do “Caminho do meio”. 2020 foi terreno fértil para que o câncer do extremismo ganhasse metástase. Os extremos nunca atraíram tanto na história recente. Aqui no Brasil, então... Parece que as pessoas concluíram que estavam obrigadas a caminhar e se fixar nas pontas. Extrema direita, extrema esquerda. 100% a favor da ciência ou 100% negacionista. 100% a favor do confinamento ou 100% contra. Amando ou odiando com todas as forças este ou aquele. Foi incrível assistir às pessoas, aparentemente, inteligentes, esclarecidas e com boa formação, se posicionando de maneira tão rasa, ingênua e radical em relação a vários temas. Foi um festival completo. O jogo de várzea sem juiz e com o pau comendo. A incoerência também reinou. “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.

Dediquei, como escrevi na série citada, um tempão analisando casos, refletindo e chegando a uma conclusão muito simples, óbvia e verdadeira – os extremos são, por definição, insustentáveis. A história da humanidade mostrou, de forma muito clara, este fato. Ir para os extremos significa perder tempo e viver ilusão temporária. Mais cedo ou mais tarde, o chão vira pó e você cai.

Entre os incontáveis eventos online que participei em 2020, seja como ouvinte, mediador ou debatedor, vi alguns temas importantes sendo tratados com o vício dos extremos:

- “O varejo físico vai acabar. Agora será tudo digital”

- “A Educação presencial vai acabar. Em breve só teremos aulas online”

- “O home office será a regra. Os escritórios vão acabar”

Como disse, em alguns debates, quando tive a oportunidade de me contrapor, deixei claro que tudo isso era mentira, ilusão e que não passavam de devaneios. Acreditar que, em um país onde metade da população não tem saneamento básico ainda, o varejo físico vai acabar, é uma loucura. A Educação será híbrida e não 100% presencial ou 100% online. E isso não tem nada a ver com a pandemia. Esta tendência já se desenha há anos. Ela está prevista, inclusive, no nosso livro “Educação 4.0”, lançado em setembro de 2019 e quando nem se falava de pandemia.  Os escritórios não vão acabar. Só não serão mais o único local de trabalho. De novo, algo no meio vai imperar. Quem sabe por 2 ou 3 dias no escritório e o resto da semana em casa, dependendo da função na empresa onde trabalha.

Pois bem, a década está só começando, mas temos um grande desafio. Você também tem este desafio. Não se pode, sob pena do barco afundar e de morrerem todos, cair na tentação dos extremos. Em nenhuma área e em nenhum tema. Como sempre digo aos meus alunos, muito cuidado com discursos totalitários. Quando alguém vier a você com uma narrativa que envolva palavras como “nunca”, “sempre”, “todos”, “ninguém”, “tudo”, “nada”, já coloque um pé atrás e saiba que esta narrativa tem dia e hora para afundar. Não suba neste barco, porque ele vai afundar. Busque sempre o que chamo de “Caminho do meio”. Aquele que, para alguns vai parecer pragmatismo ou falta de envolvimento, mas que na verdade é sinal de inteligência e de sustentabilidade.

O contraponto de hoje é este. Não se abrigue nos extremos. Lá, nada para de pé por muito tempo. Até o próximo!

por Marcelo Veras
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