Os estudos sobre Group Thinking são recentes e ainda temos muito o que descobrir e aprender sobre a dinâmica psicológica do pensamento de grupos. Mas algumas descobertas importantes já foram feitas, principalmente com relevantes contribuições da neurociência. Os neurônios-espelho, que produzem forte influência em comportamentos alheios, já dão uma bela dimensão do quão influenciáveis nós somos. Já a psicologia do poder, uma nova e recente linha de estudos, também tem começado a nos contar algumas coisas interessantes. Já sabemos, por exemplo, que a psicopatia, um transtorno antissocial que faz com que pessoas tenham pouca ou nenhuma empatia ou compaixão, está presente em apenas 1% da população mundial, mas foi diagnosticada em aproximadamente 8% de presidentes de empresas. O fato é que a mente humana, seja de forma individual, seja coletiva, é um mundo a ser explorado e ainda temos muito a descobrir.
Em junho de 2007, o falecido Steve Jobs subiu ao palco e apresentou ao mundo o primeiro smartphone - o Iphone. Com uma plataforma de desenvolvimento de aplicativos aberta e uma tecnologia amigável e fácil de usar, o Iphone conquistou o mundo e destronou líderes incontestáveis do setor. Empresas como a Apple, seguida depois pela Samsung e outras, colocaram na palma da nossa mão uma infinidade de soluções. Sob o ponto de vista tecnológico, o smartphone é o que é. Design, performance, tela touch, reconhecimento facial, aplicativos e por aí vai. Mas se analisarmos sob uma ótica social, o smartphone foi, na verdade, uma enorme transferência coletiva de poder, talvez a maior da história da humanidade. A partir dele, todos puderam ter voz. Independentemente de estarem numa metrópole como São Paulo ou em uma cidade pequena no interior de Rondônia, com um smartphone na mão e um mínimo sinal de 3G, todos puderam dizer o que quisessem ao mundo. Este poder produziu e segue produzindo uma mudança muito grande na forma como nós nos relacionamos com pessoas, marcas, empresas, políticos e, também, com a Educação. Este mesmo poder, materializado em um dispositivo na palma da mão de todos, gerou uma “onda de Nazaré” de empoderamento. Não precisa se esforçar muito para ver a olhos nus que nestes últimos 16 anos de smartphone, muitos, inclusive os grupos minoritários, se empoderaram em uma velocidade muito maior do que historicamente assistimos. A visibilidade que uma ideia ou uma causa puderam ganhar com a conectividade produzida por esta tecnologia motivou muitos a usarem a sua voz. E estes pioneiros incentivam outros e mais outros a mostrarem a sua cara, defenderem as suas causas de forma aberta, pública e contundente. Já escrevi várias vezes sobre o tema e sobre o meu encanto ao ver pessoas “subindo no palco” sem medo e buscando ter protagonismo. Temas, por exemplo, como respeito à diversidade, respeito aos animais, à natureza e às minorias ganharam e seguem ganhando uma força sem precedentes.
Obviamente, como todas as grandes inovações, a conectividade também foi e é usada para o bem e para o mal. Mas sempre foi assim. Como sempre digo, a mesma faca que passa manteiga no pão pode matar uma pessoa; a mesma energia nuclear que leva progresso a uma comunidade produziu Hiroshima e Nagasaki. A culpa não é nem da faca e nem da energia nuclear, mas, sim, das mãos que as usaram para cada fim. No caso da conectividade, ter tudo na palma da mão, de forma resumida, sem necessariamente uma fonte confiável e a um clique, gerou a chamada preguiça cognitiva. Sou do tempo em que decorávamos os números de telefones de pessoas próximas. Hoje, preciso parar uns segundos para lembrar do meu. Passamos, em maior ou menor grau, a saber quase nada sobre quase tudo. O conhecimento de muitos passou a ser um oceano de 10 cm de profundidade. E tem mais, é nítido que começou uma corrida para ver quem conta primeiro para os demais do seu grupo. Parece-me que uma das novas faces do poder passou a ser “estar uma página na frente e contar primeiro”, seja lá o que for. Não à toa, teorias da conspiração e Fake News jamais fizeram estrago semelhante como no atual momento. Tanto que, a partir de 2015, em todos os recortes que tenho feito sobre competências para o futuro nas minhas aulas sobre carreira e competências, aparece a competência “Raciocínio Crítico” como uma das mais relevantes para executivos e conselheiros nesta década. Nos últimos quatro relatórios do Fórum Econômico Mundial chamado “The future of Jobs” lá está ela entre as mais relevantes também. Ter um pensamento crítico hoje é o primeiro passo para não se transformar em uma marionete.
Esta preguiça cognitiva e este acesso raso a tudo também tem feito com que muitas pessoas se autoproclamem polímatas. Essas têm conhecimento e opinião sobre tudo. Da escalação da seleção brasileira de futebol a uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Das políticas adotadas na pandemia à demarcação de terras indígenas. Da guerra na Ucrânia aos riscos da Inteligência Artificial. Para tudo, uma opinião, um parecer e uma convicção. Nas primeiras 24 horas da explosão do caso Americanas, os “polímatas de plantão” soltaram a voz. Em vários grupos de whatsapp que participo, vi (repito, antes do caso completar 24h) muitas pessoas se manifestando. 5% apenas expressando surpresa, tristeza e fazendo perguntas. 95% fazendo afirmações convictas e lacrando para cima do CEO, dos executivos, do conselho, dos sócios, da empresa de auditoria, da contabilidade e de outros. Na hora pensei: “Meu Deus, se estivéssemos na idade média, umas 10-20 pessoas seriam queimadas vivas em praça pública hoje à noite pelos polímatas. Li algumas coisas tão bizarras que me cocei para me manifestar. Mas respirei fundo e tomei a mesma decisão que costumo tomar em temas polêmicos nas redes sociais – guardar o meu silêncio, aguardar as cenas dos próximos capítulos e, principalmente, buscar aprendizados com o caso.
Quando migramos o debate de forma mais direta para o mundo dos negócios, este fenômeno social entrou sem tocar a campainha. O empoderamento das pessoas chegou ao mundo do trabalho e disse: “Eu vim para ficar!”. O empreendedorismo ganhou força e as startups começaram a brotar do chão. Em apenas 6 anos, rompemos a marca de 1.400 unicórnios no mundo, além das milhares startups em construção e que buscam essa marca. Muitas pessoas, em dúvida sobre qual seria a sua bandeira, foram em busca do seu propósito em sessões de coaching. O tom de voz das minorias que tinham pouco ou nenhum espaço no mundo corporativo foi se elevando. As organizações se viram obrigadas a criarem rapidamente políticas de diversidade, inclusão e equidade. A tese de que as pessoas não querem ter protagonismo virou pó e muitos líderes se viram de calças curtas e sem saber o que fazer com tamanha pressão por protagonismo. Descobriu-se também algo óbvio e que estava aprisionado nas premissas da escola clássica da gestão, mas que o nosso querido filósofo Tunisiano Pierre Lévy, que cunhou o termo “Inteligência coletiva”, nos abriu os olhos para este fato fácil de entender: ninguém sabe tudo, todos sabem um pouco. Se nenhum modelo ou ferramenta de gestão contempla todo o conhecimento, mas parte dele, não é razoável acreditar que exista alguém (humano) onipresente, onipotente ou onisciente.
“[a inteligência coletiva é] uma inteligência distribuída por toda parte. Ninguém sabe tudo, todos sabem de alguma coisa, todo o saber está na humanidade. Não existe nenhum reservatório de conhecimento transcendente, e o saber não é nada além do que o que as pessoas sabem” (Pierre Lévy)
Especificamente nos conselhos, órgãos que são, por definição, colegiados, a questão da diversidade está na pauta de maneira bem forte e, vamos concordar, ainda de forma lenta e atrasada. Um colegiado até então composto basicamente por homens, brancos, com mais de 60 anos e oriundos de carreiras em finanças, controladoria e auditoria, começa a se transformar. A demanda por mais mulheres, pessoas oriundas de outras carreiras, pessoas mais jovens, de outras raças, orientações sexuais e religiosas diferentes, entre outras, se coloca para o debate. Um debate lindo e desafiador. E, como sempre gosto de fazer provocações, aqui vai a minha neste tema:
Qual diversidade deveríamos ter nos conselhos?
Para formarmos uma opinião minimamente profunda, e não aquelas que ficam apenas no verniz, precisamos refletir sobre as motivações para a diversidade de maneira geral e, especificamente, nas organizações. Eu enxergo particularmente duas:
1) Corrigir um erro histórico de discriminação e “pagar” esta dívida que temos com tais grupos;
2) Melhorar a qualidade das decisões tomadas em um conselho.
Já começo deixando clara a minha opinião de que ambas são legítimas e não mutuamente excludentes. Mas sigo subindo o tom da provocação...
Vou lhe apresentar dois conselhos a seguir e gostaria que você, de maneira geral e intuitiva, escolhesse o que lhe pareça com maior diversidade. O meu objetivo com este exemplo é apenas o de suscitar uma reflexão. Portanto, para facilitar, vou trabalhar apenas com algumas variáveis da diversidade. Vamos lá? São dois conselhos consultivos e com 5 pessoas em cada:
Conselho 1:
1) Sandro. 53 anos. Homem. Branco. Engenheiro. Carreira em Finanças;
2) Miguel. 59 anos. Homem. Negro. Analista de Sistemas. Carreira em TI;
3) Luiz. 51 anos. Homem. Branco. Psicólogo. Carreira em RH;
4) Márcio. 60 anos. Homem. Branco. Biólogo. Carreira em Inovação;
5) Kássia. 62 anos. Mulher. Branca. Filósofa e Antropóloga. Carreira em Vendas.
Conselho 2:
1) Cilene. 53 anos. Mulher. Branca. Engenheira. Carreira em Finanças;
2) Miguel. 59 anos. Homem. Negro. Engenheiro. Carreira em Controladoria;
3) Andréa. 45 anos. Mulher. Negra. Administradora. Carreira em Auditoria;
4) Ari. 70 anos. Homem. Branco. Analista de Sistemas. Carreira em TI
5) Paulo. 50 anos. Homem. Negro. Contador. Carreira em Logística.
Se a empresa fosse sua e você tivesse que, obrigatoriamente, escolher um dos dois, qual escolheria?
Bom, repito que essa provocação tem como objetivo tentarmos, cada um com as suas réguas, convicções e crenças, formar um juízo pessoal sobre a diversidade em conselhos. De novo, este tema é tão, mas tão importante, que não pode ser tratado e debatido apenas em cima do verniz. Tenho defendido, inclusive nas minhas aulas e palestras, que a diversidade por si só cumpre o papel histórico legítimo, fica linda na foto, mas não produz nada além disso. Ela só serve e é relevante e transformadora, quando vem acompanhada de inclusão e equidade. Você já deve ter ouvido falar na mágica frase: “Diversidade é convidar para a festa. Inclusão é tirar para dançar. E equidade é tocar a playlist do convidado”. Confesso que, para mim, o mais importante dos três é tocar a playlist, até porque contempla os dois primeiros. Uma diversidade que senta à mesa mas não tem voz, serve pouco. E lhe conto que ouço, quase todo dia em sala de aula, alunos me contando histórias de empresas e líderes que simplesmente convidam para a festa.
E com isso vem a pergunta mais importante sobre este exercício lúdico e simples: analisando os dois conselhos apresentados, quando formos “tocar a playlist” de cada um, o que ouviremos? Qual música sairá de cada colegiado e que irá dar o direcionamento estratégico para gestão nos temas: Estratégia de Negócios, Econômico-financeiro, Tecnologia, Pessoas e Cultura? Qual empresa terá um melhor direcionamento visando crescimento e longevidade? Como já disse e repito, o debate é lindo e desafiador. Dependendo da régua que você use para avaliar o real papel da diversidade, poderá dar 7x1 para o conselho 1 ou o contrário.
Após refletir muito, estudar muito e ouvir muitos conselheiros e conselheiras experientes, eu formei a minha opinião. Ela não está escrita na pedra e posso mudar de opinião a qualquer momento, desde que alguém me convença com bons argumentos. No final do dia, a diversidade que realmente faz com que um conselho seja “uma vantagem competitiva” para uma empresa, na minha visão, é a de perspectivas. Pessoas que enxerguem o mundo, as pessoas, o presente e o futuro dos negócios, as possíveis transições de mercado, de formas diferentes. É óbvio que variáveis que conhecemos e que representam a diversidade carregam histórias de vida diferentes, pontos de vista diferentes e visões de mundo diferentes, mas será que sempre e em todos os casos? Portanto, na minha modesta visão, não basta olhar para o verniz, é preciso perfurá-lo.