Nessa semana, uma notícia correu a internet e gerou um grande bafafá nas redes sociais. Um grupo de estudantes de uma escola no Rio Grande do Sul promoveu uma festa temática, cujo título era “Se nada der certo”. Nela, eles se fantasiaram e debochavam de profissões como mecânico, atendente de fast food, empregada doméstica, entregador de jornal, operadora de telemarketing, artista de rua, vendedor de loja e cozinheiro. Na cabeça deles, esses “subempregos” só servem para “se nada der certo”. A repercussão foi gigante e imediata, como muita coisa na internet. Em minutos, um fato ganha grande repercussão nacional e até mundial. A revolta foi geral. No meu caso, mais do que revolta em relação aos profissionais, pais e alunos da referida escola, fiquei triste pelos milhões de brasileiros que trabalham nessas atividades.
Fui criado em uma família simples. Nunca passamos fome, mas tudo lá em casa era limitado. Tínhamos orçamento para tudo. Estudei grande parte da minha vida em escola pública, fiz faculdade em escola pública, fui para escola de ônibus urbano e tinha tarefas domésticas a cumprir. Aos 16 anos, queria ganhar algum dinheiro e fui trabalhar. No meu caso, escolhi dar aulas particulares. Naquela época, não existia impressora. Minha mãe me ajudou a fazer um cartaz em cartolina. O texto era “Aulas particulares de português e matemática. Marcelo Veras. Telefone xxxx-xxxx)”. Saí pela cidade pedindo autorização aos porteiros de escolas para me deixar entrar e colar o meu cartaz no mural. Levei muita porta na cara. Mas um belo dia o telefone (fixo, de casa) tocou e conquistei o meu primeiro aluno. Quando completei 18 anos, já na faculdade, uma amiga da minha mãe, professora de uma escola pública, me convidou para substitui-la por 6 meses durante uma licença que iria tirar. Lá fui eu, após dois turnos de faculdade de engenharia química, dar aulas duas noites por semana para o 8o ano do ginásio (hoje 9o ano do fundamental 2). Pó de giz na cara, estrutura caindo aos pedaços, prova elaborada em papel e depois rodada (por mim mesmo) em um mimeógrafo e, certa vez, uma negociação dura com um aluno que havia levado uma faca para a escola. Tudo isso, por menos de um salário mínimo por mês.
Esses dois “subempregos”, além de me renderem um dinheirinho para ir à sorveteria no final de semana ou comprar uma calça jeans nova, me ajudaram a entender algumas coisas que foram bem importantes para o meu futuro profissional. Primeiro, aprendi que dinheiro é algo difícil de ganhar (por meios lícitos) e fácil de gastar. Segundo, aprendi que o trabalho nos dignifica, porque através deles nós produzimos transformações na sociedade e nas pessoas. Por fim, aprendi que quando fazemos o que gostamos, independente do que seja, produzimos melhor e temos mais sucesso naquela carreira. E como sempre digo aos meus alunos, sucesso é algo pessoal e intransferível, e ninguém tem o direito de definir o que é e o que não é sucesso.
Espero que os alunos dessa escola reflitam sobre a infeliz ideia que tiveram e nunca mais julguem de forma tão equivocada carreiras como as que foram alvos da brincadeira de mal gosto. Aos professores e gestores pedagógicos dessa e de outras escolas, que usem esse exemplo para repensarem seus modelos pedagógicos que continuam entupindo seus alunos de conteúdo para que descarreguem tudo numa prova de vestibular e reforcem a formação humana e de competências comportamentais. Mas do que bons em vestibulares, precisamos de bons cidadãos. Por fim, deve também servir aos pais desses alunos, para que também usem esse fato para repensarem como estão educando seus filhos e como os estão ensinando o que é a vida, como se constrói uma carreira e o que, realmente, significa “dar certo”. Ensinem-nos que “dar certo”, acima de tudo, é trabalhar com dignidade, ganhar seu dinheiro com seus próprios méritos e de forma ética, trabalhar naquilo que gosta e respeitar as escolhas dos outros. Até o próximo!